TJ-SP absolve médico que prescreveu ibogaína em tratamento contra vício

Não há crime na conduta do médico que prescreve o uso de ibogaína, substância não regulamentada, mas não ilegal. A conduta não atinge os núcleos verbais contidos no artigo 273, parágrafo 1-B, do Código Penal, que descreve ações com produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem registro, quando exigíveis, no órgão de vigilância sanitária competente.

Com esse entendimento, a 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento a apelação para absolver réu condenado por entregar a consumo cápsulas de ibogaína, substância sem registro na Anvisa e utilizada no tratamento de dependência química.

A decisão é importante porque a ibogaína é parte de pesquisas recentes sobre efeitos terapêuticos de substâncias psicoativas, sendo considerada solução para usuários de crack, principalmente.

“Não é mais concebível que eventual inércia burocrática por parte dos órgãos de vigilância sanitária retarde sequer a liberação de substâncias controladas, como os medicamentos à base de canabidiol, prescritos para espasticidade relacionada à esclerose múltipla (cuja importação foi autorizada apenas a partir da RDC nº 335/2020)”, afirmou o relator, desembargador Roberto Grassi Neto.

“Com muito mais razão, não é aceitável em se cuidando de produtos destinados a tratamento médico que sequer constem da Portaria SVS/MS 344/98, como a ibogaína, substância que, consoante apontam pesquisas científicas, desponta inclusive como sendo uma das poucas opções com expressivos índices de sucesso (na faixa de 72%) no tratamento de viciados em entorpecentes”, acrescentou.

Atipicidade da conduta
O suposto crime ocorreu em clínica de reabilitação na qual o réu presta serviços como médico psiquiatra e foi averiguado pela Vigilância Sanitária após denúncia feita por outra médica.

Embora a ibogaína não integre a lista de substâncias proibidas ou sujeitas a controle especial, sua importação e comercialização são proibidas em todo o território nacional, conforme a Resolução RDC 204/2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pois é insumo destinado à fabricação de medicamentos, cuja eficácia terapêutica não chegou a ser ainda avaliada.

O desembargador Grassi Neto destacou que essa proibição não abrange a importação para uso pessoal, independentemente de autorização prévia, de países onde sua comercialização esteja liberada. A própria Resolução RDC 204/2006 admite o uso de medicamentos ainda não regulamentados em protocolos de pesquisa e trabalhos médicos e científicos.

Do mesmo modo, não é crime a conduta daquele que importa o produto de maneira irregular, já que a Anvisa prevê a possibilidade de aquisição no exterior, desde que preenchidos alguns requisitos: realizada por pessoa física mediante emprego do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), pelo qual o governo faz o registro, acompanhamento e controle dessas operações.

“Se uma pessoa física eventualmente proceder, assim, a uma importação de produto destinado a tratamento médico, que ainda não tenha registro na Anvisa, e o fizer em desconformidade com referida RDC 81/2008, estará certamente cometendo, como observado, infração sanitária de natureza administrativa”, concluiu o relator.

 

Fonte: Site Conjur.

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