Raio-X dos HCs concedidos no STJ indica baixa adesão a precedentes criminais

Entre 1º de janeiro e 31 de julho deste ano, o Superior Tribunal de Justiça registrou 10.628 concessões de ordem em Habeas Corpus e recurso em HC. Desse montante, 98,5% foram decididos de forma monocrática. E esse cenário leva à necessidade de avaliar o grau de adesão do Poder Judiciário aos precedentes em temas penais.

Ministro Rogerio Schietti foi quem mais concedeu a ordem em HCs e RHCs entre
1º de janeiro e 31 de julho de 2023
Gustavo Lima/STJ

O raio-x das concessões de ordem na corte foi feito a partir de um levantamento do advogado David Metzker, que compila diariamente todas as concessões de ordem com o objetivo de entender como o Habeas Corpus é percebido e admitido pelos ministros do Tribunal da Cidadania.

Como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, as cortes superiores têm enfrentado uma demanda em HC jamais vista, fruto de um cenário que torna o remédio heroico uma boa opção para as defesas, mas algo ineficiente em termos de política judiciária.

Se as instâncias ordinárias preferem o livre-convencimento motivado para julgar as causas, em vez de usar precedentes, até mesmo os vinculantes, o HC se torna atrativo por oferecer ao réu uma solução mais rápida, inclusive porque serve para analisar qualquer ilegalidade.

Isso faz com que as principais causas cheguem aos tribunais superiores em HC. Logo, é por meio desse instrumento que são firmadas teses e posições, as quais não são vinculantes e, em teoria, não precisam ser seguidas pelas instâncias ordinárias. E assim se forma o ciclo.

Segundo Metzker, chama a atenção a falta de dados sobre concessões de ordem, em meio a reiteradas manifestações e muitos apelos dos ministros pelo uso mais responsável da impetração de Habeas Corpus. Sua exaustiva pesquisa indica que é preciso repensar a adesão aos precedentes.

“Os tribunais locais muitas vezes não seguem os precedentes dos tribunais superiores devido à falta de uniformidade na interpretação e aplicação do direito. Essa desconexão gera insegurança jurídica e compromete a eficácia das decisões de instâncias superiores, evidenciando a necessidade de uma maior harmonização e comunicação entre os diferentes níveis judiciais”, diz o advogado.

Número de HCs e RHCs concedidos por colegiado do STJ (sem as liminares)

 

50 por dia

De janeiro a julho, as 10.628 concessões de ordem resultam em uma média de 50,3 por dia, em um total de 211 dias. Isso inclui os períodos de recesso judicial (janeiro e julho), em que análises bem menos benevolentes são feitas em plantão pela Presidência do tribunal.

É comum o STJ conceder cem HCs e RHCs em um só dia, um volume que indica o desafio dos dez ministros que integram a 3ª Seção, especializada em temas penais. Alguns deles já relataram à revista eletrônica Consultor Jurídico que há dias em que recebem 80 HCs, boa parte com pedido de liminar.

Como grande parte das impetrações é sobre temas pacificados e repetidamente decididos no STJ, a tendência para dar conta da demanda é a decisão monocrática. Até julho, 98,52% das concessões de ordem foram por decisões unipessoais do relator, em um total de 10.471.

As outras 157 concessões foram feitas em julgamentos colegiados. Esse montante representa apenas 1,48% do total. O levantamento ainda indica que os integrantes da 6ª Turma têm uma maior inclinação a tomar decisões favoráveis em HC ou RHC.

Em decisões terminativas — sem considerar as liminares concedidas —, a 6ª Turma concedeu a ordem 5.838 vezes, o que corresponde a 61,62%. Na 5ª Turma, foram 3.787 concessões, equivalentes a 38,34%. Os 0,04% que restam correspondem a três julgados da 3ª Seção.

Isso não significa que a 5ª Turma esteja menos comprometida com a proteção dos direitos, especialmente porque a jurisprudência de ambos os colegiados está muito alinhada. A conduta no colegiado é a de conceder a ordem, principalmente, em casos de ilegalidades evidentes.

Assim, em determinados temas, prevalece a análise de fatos e provas como é feita pelas instâncias ordinárias, já que o Habeas Corpus tem limitações de conhecimento.


Quem, quando e onde

O cruzamento dos dados do STJ sobre HCs distribuídos com o levantamento de David Metzker mostra, ainda, pouca discrepância no volume de concessões por ministros. A maior parte costuma conceder a ordem em pouco mais de 20% dos casos que recebe.

O ministro Rogerio Schietti é o que mais concede HCs e RHCs, com 27,1%, seguido do desembargador convocado Jesuíno Rissato (27%). Na outra ponta, os que menos concedem são Messod Azulay (18,9%) e Joel Ilan Paciornik (14%).

O levantamento ainda mostra que o desembargador convocado João Batista Moreira, de atuação mais recente no tribunal, tem índice de apenas 0,4% de concessão da ordem.

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A maioria absoluta dos processos em que o tribunal entende que os pedidos da defesa devem ser concedidos vem de São Paulo, estado com o maior Tribunal de Justiça do país, a maior população e o maior número de encarcerados.

De janeiro a julho, o TJ-SP gerou 5.062 concessões no STJ. Esse número representa 22,6% dos 22.353 HCs e RHCs concedidos.

Não à toa, o TJ paulista é a corte que tem manifestado resistência ímpar a adotar a jurisprudência não vinculante — e, por vezes, até as que deveriam vincular —, em uma espécie de medição de forças que tem gerado críticas e embates, além de reiterados pedidos de conscientização.

Proporcionalmente, no entanto, São Paulo não é o estado que mais gera concessões de ordem em HC ou RHC. Esse posto pertence ao Acre, onde 28,8% das impetrações culminam em decisões a favor da defesa no STJ. Pernambuco (19,8%) e Rio de Janeiro (19,4%) também se destacam nessa lista.

Para David Metzker, esses dados lançam luz sobre a necessidade urgente de pesquisas empíricas, especialmente no contexto do Habeas Corpus — mecanismo processual crucial que exige uma abordagem responsável, estratégica e objetiva.

“A era da aplicação arbitrária do direito, à mercê da vontade individual do julgador, não é mais aceitável. Mesmo que nosso sistema jurídico não tenha tradição no uso de precedentes, não podemos continuar ignorando essa abordagem”, avalia o advogado em artigo.

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