Quando estamos diante de vários réus em uma ação penal, não há uma ordem de quem deve ser interrogado primeiro ou apresentar alegações finais primeiro, visto que não previsão no artigo 400 e 403, ambos do CPP. A prática forense segue, normalmente, a ordem prevista na denúncia. Quem foi primeiro qualificado na denúncia, será o primeiro a prestar o interrogatório.
Quando se trata de alegações finais, orais ou na forma de memoriais, não há uma ordem, apenas trazendo que será prazo sucessivo às partes para apresentação. Novamente, a prática forense traz que os réus apresentem em prazo comum. A questão do prazo sucessivo, aplica-se em relação à acusação e defesa. De qualquer modo, nada obsta que, da mesma forma que é feito no interrogatório, a ordem de apresentação dos memoriais siga a ordem de qualificação na denúncia, o que não é obrigatório.
Não há constrangimento ou violação ao princípio do devido processo legal e seus corolários, ampla defesa e contraditório, a escolha de quem vai falar primeiro e/ou apresentar alegações finais.
Todavia, não devemos olhar da mesma forma quando se está diante de réus que acusam outros réus, em delação premiada.
Para que se possa tratar do assunto, far-se-á uma análise superficial do conceito de delação premiada e colaboração premiada, sendo esta um gênero que possui espécies. A colaboração premiada é um acordo entre o Ministério Público e o acusado e seu defensor. Poderá ser feita pelo delegado de polícia, com a devida manifestação do Ministério Público. Uma das formas que o acusado poderá colaborar é a delação. A delação é o ato de revelar, onde o acusado confessa a prática delituosa e revela a participação de outros autores e partícipes.
Já firmado o entendimento pelo STF1 e STJ2, a colaboração premiada é um instrumento de obtenção de prova e deve ser garantida ao delatado questionar o depoimento do delator. Como muito bem citado pelo ministro Celso de Mello3, em decisão monocrática, afirma que “o fato é que a lei 12.850/13 “(…) traz aspectos positivos ao garantir ao delatado maior possibilidade de questionar o depoimento do delator, ao buscar diminuir a possibilidade de erro judiciário vedando-se condenação com fundamento exclusivo em delação, ao procurar garantir a integridade física do colaborador e ao regulamentar o acordo de colaboração, o que antes inexistia”, tal como assinalam ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FABIO M. DE ALMEIDA DELMANTO (“Leis Penais Especiais Comentadas”,p. 1.003/1.051, 1.031, 2ª ed., 2014, Saraiva).
O ponto nevrálgico está exatamente na possibilidade de garantir ao delatado o questionamento do depoimento prestado pelo delator. Essa garantia é fruto do devido processo legal, previsto no artigo 5, LIV e LV da CF, que traz a ampla defesa e o contraditório.
Havendo réus delatores e delatados, existe uma ordem de interrogatórios e de alegações finais? Há sim. Analiso.
Na previsão do artigo 400 do CPP, fica evidenciado que o acusado em nenhum momento poderá ser ouvido antes das testemunhas. Essa regra é válida aos procedimentos comuns. Quando se trata de procedimento especial, há uma discussão se deve seguir a regra comum ou a regra especial.
No caso dos processos de competência da justiça militar, tivemos a manifestação do STF no HC 127900/AM4, que confirmou a natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa, devendo seguir a regra do artigo 400 do CPP, colocando o interrogatório como último ato da instrução. A regra deverá ser aplicada a todos os procedimentos especiais. Assim, em resumo, o interrogatório deverá ser sempre último ato da instrução, aplicando-se o princípio da ampla defesa e contraditório.
Mas o que essa regra tem a ver com interrogatórios de réus delatores e delatados? Explico.
Há entendimento que o réu, quando revela fatos realizados por outrem, se trata de testemunho e não somente de interrogatório. Quando um réu fala dos demais réus em seu interrogatório, este toma contornos de depoimento testemunhal que, ao final, poderá ser usado em desfavor dos réus delatados. Sendo usado, a instrumentalização para obter provas foi concretizada e deverá estar sob o manto da ampla defesa e contraditório5.
Possuindo, portanto, carga valorativa de prova no interrogatório do réu delator, não pode o réu delatado se manifestar primeiro, pois não estaria lhe dando direito de tornar efetivo o contraditório, não oportunizando o réu delatado de se manifestar sobre o que foi dito sobre a sua pessoa.
Necessário que o réu delator, que traz em seu interrogatório acusações em relação aos outros réus, seja o primeiro a falar e apresentar alegações finais em relação aos réus delatados, pois estes têm que se defender de qualquer acusação vinda da peça acusatória, das provas testemunhais, ou até mesmo dos interrogatórios de réus delatores, ou seja, se manifestar sobre todas as provas que há contra ele.
Assim, resta claro que, havendo réu delator no processo, este deve ser ouvido primeiro, em sede de interrogatório e, no momento das alegações finais, orais ou na forma de memoriais, deve ser o primeiro a se apresentar.
Não estamos tratando de um réu comum e sim de um réu que colaborou para instrumentalização em alcançar provas contra outros réus, tornando sua natureza diferente dos demais.
Urge ainda mencionar que, conforme julgado do STJ6, por estratégia de defesa, o réu poderá deixar de alegar matéria de mérito na resposta acusação para alegar após a instrução, podendo, portanto, deslocar as teses não trazida na resposta à acusação para as alegações finais. Isso torna ainda mais crucial a manifestação do réu delatado após o réu delator a fim de garantir àquele o direito ao contraditório.
Em que pese não haver previsão legal da obrigatoriedade dessa ordem, a imposição advém do contraditório, pois o réu delatado, por meio de advogado, poderá contrastar as informações prestadas pelo delator no curso da própria relação processual, o que se dará pela possibilidade de perguntas em interrogatório, ou refutar as afirmações em alegações finais.
Esse é o entendimento recentíssimo do STF no Ag no HC 157.627. No voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski, este entendeu que os memoriais do delator deve ser apresentado primeiro em relação aos demais réus e não ao mesmo tempo ou posterior. O voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Carmém Lúcia, vencido o ministro relator Edson Fachin.
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1 HC 127.483/PR, rel. min. DIAS TOFFOLI
2 RHC 69.988/RJ, rel. min. REYNALDO SOARES DA FONSECA
3 STF – MC MS: 34831 DF – DISTRITO FEDERAL 0005255-54.2017.1.00.0000, relator: min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 4/8/17, Data de Publicação: DJe-175 9/8/17
4 Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças Armadas. Irrelevância para fins de fixação da competência. Interrogatório. Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela lei 11.719/08, em detrimento do art. 302 do decreto-lei 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. […]. 4. A Lei 11.719/8 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.
5 HABEAS CORPUS – TRIBUNAL DO JÚRI – INVERSÃO DA ORDEM DOS INTERROGATÓRIOS E DOS DEBATES – CORRÉU COLABORADOR – AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO – OBSERVÂNCIA – CONCESSÃO. I. A atividade estatal – principalmente a função jurisdicional – deve ser exercida de forma a dar a máxima eficácia às garantias basilares do indivíduo, entre as quais a liberdade de locomoção, o contraditório, a ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal. II. Se o depoimento do corréu aproxima-se da prova obtida em delação premiada, não é adequado que ele seja interrogado após os demais, nem que a defesa se manifeste após as outras, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Na hipótese, ainda que não tenha celebrado acordo formal, o confessou e colaborou com a justiça ao relatar, detalhadamente, como teria ocorrido a empreitada criminosa e a participação dos corréus. III. Ordem concedida.
(TJ-DF 20170020114479 0012310-76.2017.8.07.0000, relator: SANDRA DE SANTIS, Data de Julgamento: 4/5/17, 1ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/5/17 . Pág.: 125/137)
6 PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. ART. 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. NÃO ENFRENTAMENTO DO MÉRITO. ESTRATÉGIA DA DEFESA. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. O trancamento da ação penal na via do habeas corpus constitui medida excepcional, cabível apenas em casos de manifesta atipicidade da conduta, evidente ausência de autoria ou extinção de punibilidade, hipóteses não verificadas in casu. 3. A aquisição de bens com preordenada intenção de não pagamento, formalizada com aparente regularidade, constitui meio idôneo para o imputado crime de estelionato. O dolo, na acusação inicial induzido das ações imputadas, dependerá de apuração no curso da instrução criminal a ser desenvolvida. 4. Irrelevante é o nomem iuris dado à resposta à acusação, se defesa prévia ou preliminar, desde que sirva como oportunidade para a plena defesa de mérito e indicação de provas. 5. Lícita é a opção do advogado constituído em não enfrentar o mérito na resposta à acusação, nisto não existindo deficiência de defesa, pois inclusive possível a estratégia de não antecipar teses à parte adversa. 6. Ordem não conhecida.
(STJ – HC: 246156 PE 2012/0125492-1, relator: ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 20/5/14, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/14).
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Artigo publicado no site Migalhas.
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Autor: David Metzker.