Imagine a seguinte situação: Fulano de Tal impetra habeas corpus perante Juiz de Direito por entender que houve coação ilegal na prisão realizada pelo delegado de polícia, sem que houvesse um mandado de prisão. O Juiz de direito denega a ordem. O que o Fulano de tal poderá fazer? Irá interpor o recuso em sentido estrito, por ser o recuso cabível no caso.
Agora vejamos outra situação: Beltrano de Tal impetra habeas corpus perante Tribunal de Justiça do Espírito Santo, colocando como autoridade coatora Juiz de Direito que decretou a prisão preventiva sem observar os requisitos do artigo 312 do CPP. Após o devido processamento, a ordem foi denegada. Ciente da previsão constitucional no artigo 105, II, alínea “a”, poderá manejar o recurso ordinário constitucional por ser o recurso cabível na hipótese.
Caso o STJ seja instância única do habeas corpus, em caso de denegação da ordem, caberá recurso ordinário ao STF, conforme alínea “a”, inciso II do artigo 102 da CF.
Em que pese a previsão de recurso próprio, surgiu a possibilidade de impetrar um novo habeas corpus em face da denegação da ordem pela instância inferior. Entendia que, ao denegar a ordem, fazia surgir um ato ilegal, configurando assim um constrangimento ilegal, ensejando um novo habeas corpus em instância superior, denominada pela jurisprudência de habeas corpus substitutivo.
Assim, poderia o impetrante do habeas corpus, ao invés de interpor recurso cabível, impetrar um novo habeas corpus na instância superior?
Conforme menciona o Professor Norberto Avena[1], a partir do HC 109.956/PR (DJ 11.09.2012), passou a não mais admitir o habeas corpus substitutivo, evitando assim alargar a admissibilidade do remédio constitucional.
Conforme entendimento majoritário, praticamente pacífico do STJ, e entendimento da 1ª Turma do STF, não cabe habeas corpus substitutivo de recurso.
O STJ possui posição da inadequação da via eleita em caso de impetração de Habeas Corpus em substituição do recurso próprio, utilizando como argumento entendimento firmado na primeira turma do STF.
O entendimento é diverso quando se trata da posição da segunda turma do STF[2], que não vislumbra óbice ao conhecimento do habeas corpus quando este substitui recurso próprio.
Para aqueles que defendem esta possibilidade, como defende o autor do presente artigo, o fazem por entender que o habeas corpus é a arma mais potente para alcançar o status libertatis.
De acordo com art. 5º, inciso LXVIII, da Magna Carta, e já foi confirmado em habeas corpus no STF[3], nos ensina que “eventual cabimento de recurso não constitui óbice à impetração de habeas corpus, desde que o objeto esteja direta e imediatamente ligado à liberdade de locomoção física do Paciente”
Havia, portanto, divergência de turmas, como citado acima, que, no entanto, foi dirimida com o julgamento da preliminar suscitada no HC 152752/PR no STF. No dia 22 de março de 2018, o pleno, por maioria, entendeu pelo conhecimento do habeas Corpus em substituição do recurso próprio em caso de decisão colegiada de tribunal superior.
Prevaleceu o entendimento firmado na 2ª Turma do STF. Não obstante ao entendimento que a primeira turma do STF não admite o habeas corpus substitutivo, importa destacar que no HC 131.981/SC[4], a primeira turma, por unanimidade, conheceu do habeas corpus em substituição ao recurso próprio.
O habeas corpus configura proteção especial tradicionalmente oferecida no sistema constitucional brasileiro. É o remédio heroico estabelecido constitucionalmente a fim de garantir um dos mais importantes direitos dos cidadãos: a Liberdade.
Não há diferença nos movimentos do habeas corpus e do recurso ordinário, visto que o objetivo final será o mesmo.
Assim, diante dos julgados trazidos e do entendimento do pleno do STF no HC 152752/PR, entende-se pela possibilidade do conhecimento do habeas corpus quando este for substituto de recurso ordinário.
[1] Avena, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado / Norberto Avena. – 6.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
[2] HC 129.284/PE Rel. Min. Ricardo Lewandowski, HC 122.268/MG, Rel. Min. Dias Toffoli e HC 116.437/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes.
[3] (STF – HC 112.836/SE – Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA – Segunda Turma – Julgado em 25.06.2013 – Processo Eletrônico DJe-159 – Public. Em 15-08-2013).
[4] HABEAS CORPUS – RECURSO ORDINÁRIO – SUBSTITUTO. Uma vez em jogo a liberdade de ir e vir já alcançada ante custódia, cabível é a impetração, ainda que substituta, do recurso ordinário constitucional. PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – CORRÉ. Ante o fato de o Órgão revisor haver se defrontado unicamente com o recurso da defesa, assentando a erronia da sentença quanto ao regime de cumprimento relativamente à corré, mas declarando a impossibilidade de alterá-la, não se tem como acionar o disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal.
(HC 131981, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 08/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017)