Quando nos deparamos com administrador/sócio de empresas respondendo por crime em razão de sua função, temos que verificar se realmente concorreu para que o fato fosse praticado, sob pena de ocorrer a responsabilidade objetiva.
A conjugação dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais precedentemente transcritos revela, de forma cristalina, que a responsabilidade penal no Brasil guarda natureza pessoal e caráter subjetivo.
Conforme leciona o nobilíssimo Professor Cleber Masson[1], “nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a quem não tenha produzido por dolo ou culpa”. Assim sendo, a responsabilidade penal inicia com a prática da conduta, por ação ou omissão, consciente e voluntária.
Necessário, portanto, o elemento subjetivo do crime. O dolo ou a culpa devem estar presentes na análise do fato.
Isso significa, portanto, que não há como atribuir a um acusado a responsabilidade solidária pelo evento delituoso, somente pelo fato de o acusado pertencer ao corpo gerencial da empresa. É que se tal atribuição fosse possível, estaríamos diante de uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas consequências que daí podem resultar.
Permitir a presunção de responsabilidade penal de alguém simplesmente porque faz parte da pessoa jurídica é punir por responsabilidade objetiva e inviabilizar a ampla defesa.
A circunstância objetiva de alguém ostentar a condição de sócio ou de exercer cargo de direção ou de administração, não se revela suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa. Não existe, no ordenamento jurídico, a possibilidade constitucional de reconhecer a responsabilidade penal objetiva.
A invocação da teoria do domínio do fato não basta para exonerar o Ministério Público do gravíssimo ônus de comprovar, licitamente, os elementos constitutivos da acusação e, pelo juiz na sentença, de trazer os elementos probatórios da convicção firmada que o acusado concorreu para o crime, conforme preceitua o artigo 29 do CP.
Cabe ao Ministério Público, em razão do ônus de quem alega, provar que o empresário, que responde pela suposta pratica delituoso cometidos em razão de sua administração empresarial, tinha o pleno domínio do fato, ou seja, aquele que tem o poder de determinação sobre o crime[2].
O professor Paulo Busato, afirma em sua obra que:
“Autor, para essa teoria, é quem domina a realização do fato típico, determina quando, onde, como e se ocorrerá o delito. Enfim, é quem tem o poder de decisão sobre o fato, quer seja porque o realiza, no todo ou em parte, quer porque se utiliza de outrem como instrumento de sua realização”. (Busato, 02/2015)
Não basta que o empresário seja responsabilizado somente pelo fato de compor o conselho administrativo ou a administração da empresa ou sócio gerente, enfim, por fazer parte do corpo diretivo.
Necessário que seja provado que o empresário tenha concorrido para a prática do crime, tenha o poder de decisão sobre o fato, que ele tivesse o poder de decidir sobre a continuidade do crime, que ele tivesse, por exemplo, o poder de dizer para os outros réus não continuarem na empreitada criminosa, que ele tivesse o poder de decidir sobre o curso do crime, o domínio completo do fato tido como criminoso.
Importante trazer à baila, e dar destaque, ao julgado proferido pela Corte Suprema, com voto redigido pelo nobilíssimo Celso de Melo.
“’Habeas Corpus’. 2. Responsabilidade penal objetiva. 3. Crime ambiental previsto no art. 2º da Lei nº 9.605/98. 4. Evento danoso: vazamento em um oleoduto da Petrobras 5. Ausência de nexo causal. 6. Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não-atribuível diretamente ao dirigente da Petrobras. 7. Existência de instâncias gerenciais e de operação para fiscalizar o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos. 8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o suposto agente criminoso. 8. Diferenças entre conduta dos dirigentes da empresa e atividades da própria empresa. 9. Problema da assinalagmaticidade em uma sociedade de risco. 10. Impossibilidade de se atribuir ao indivíduo e à pessoa jurídica os mesmos riscos. 11. ‘Habeas Corpus’ concedido.” (HC 83.554/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei) “– A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. – A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. – Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (‘nullum crimen sine culpa’), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do ‘versari in re illicita’, banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes. …………………………………………………………………………………………. – Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.” (HC 84.580/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Assim, com a vedação da responsabilidade objetiva, cabe ao órgão acusador trazer material probatório, desde a propositura da ação penal (sob pena de rejeição por ausência de justa causa ou dar ensejo a HC para trancamento de ação penal), que o membro do corpo diretivo tenha efetivamente concorrido para a existência do fato que se amolda, a princípio, a um tipo penal, bem como, deve o Magistrado, na sentença, caso tenha entendido para ocorrência do tipo penal, demonstrar motivadamente que o réu, como administrador, tenha concorrido para prática do crime.
[1] Masson, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
[2] Busato, , P. C. (02/2015). Direito Penal: Parte Geral (,v.1), 2ª edição [VitalSource Bookshelf version]