Um dos julgamentos mais importantes de 2020 já está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 12 de fevereiro, os ministros começarão a julgar a constitucionalidade da execução da pena após condenação pelo Tribunal do Júri, tribunal competente para julgar crimes dolosos contra a vida.
O questionamento foi iniciado a partir de um recurso do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) acerca de um caso de feminicídio. No processo, o MP questiona a decisão de Superior Tribunal de Justiça (STJ) de conceder ao condenado o direito de recorrer em liberdade.
A questão é controversa, pois em novembro de 2019, os ministros do STF consideraram inconstitucional a prisão para cumprimento de pena após julgamento em segunda instância, o que gerou questionamentos de como seria a situação de “criminosos violentos”.
A expressão “criminoso violento” é muito utilizada, principalmente, pelo ministro Luís Roberto Barroso. Entretanto, o termo generaliza crimes que devem passar por uma investigação detalhada para que se possa determinar se foram praticados com tamanha violência ou não.
Quanto aos crimes considerados graves, na legislação brasileira, há a lei dos crimes hediondos, Lei nº 8072/1990, que prevê os que demandam maior reprovação Estatal. Não necessariamente os crimes ali previstos são considerados repugnantes, com requintes de crueldade, ou seja, quem os pratica são “criminosos violentos”. Essa análise deverá ser feita em cada caso.
Crime hediondo, portanto, não é sinônimo de crime violento. Os crimes que integram o rol de crimes hediondos, como o homicídio qualificado, têm previsão de pena mais elevada, o que acabam por demonstrar uma gravidade maior.
O direito de responder em liberdade está atrelado às prisões cautelares, aquelas que têm por finalidade garantir que o processo chegue ao seu final sem nenhum tipo de obstáculo causado pela liberdade do réu. Porém, se a liberdade do réu não traz nenhum prejuízo ao processo, a sua prisão é ilegal.
Conceitualmente, a fato de responder ao processo em liberdade não está relacionado à forma como praticou o crime. Todavia, o STJ e o STF têm entendido de forma diferente, aplicando a prisão processual ou cautelar quando há uma periculosidade na conduta do réu. As Cortes têm levado em consideração a forma como o crime foi praticado, entendendo que a ordem pública foi violada e precisa ser restaurada com a prisão do réu.
Entendo que não cabe ao Poder Judiciário restaurar ou garantir a ordem pública e sim ao Poder Executivo, mas a jurisprudência é dominante quanto à possibilidade.
Todavia, quando se trata de condenação sem trânsito em julgado, ou seja, quando ainda cabe recurso, a prisão provisória só pode ser executada na sentença caso haja fatos novos que demonstrem que a prisão do réu se faz necessária para garantir a integridade do processo. Não havendo fatos novos, não há que se falar em prisão provisória.
Se analisarmos a sessão de julgamento do STF do dia 7 de novembro de 2019, verificaremos que poderá ocorrer uma discrepância entre o julgamento pautado para o dia 12 de fevereiro, e o julgamento da prisão para cumprimento de pena após o julgamento da segunda instância.
Nesse julgamento, tivemos maioria acirrada do STF a favor do não cumprimento da pena antecipada. O voto de minerva foi dado pelo ministro Dias Toffoli, que durante a leitura do seu voto deixou claro que, em casos de crimes de competência do tribunal do júri, ele entende que é possível iniciar o cumprimento da pena após o julgamento.
Diante desse cenário, levando em consideração a alteração trazida pela lei anticrime, que permite a prisão do condenado no tribunal do júri caso a pena seja superior a 15 anos, entendo que o STF poderá considerar a possibilidade de iniciar a execução da pena após julgamento na sessão do júri.
Esse possível entendimento do STF vai contra a jurisprudência atual e dominante em nossa legislação, que é pela impossibilidade do início da execução da pena após julgamento no tribunal do júri, tanto do STJ como do STF. Todavia, caso seja entendido de forma diversa, teremos efeitos já na lei anticrime, que na data do julgamento do STF terá algumas semanas de vigência.
Em alguns países como Estados Unidos, Canadá e Argentina é permitida a execução da pena logo já na primeira instância, porém, a possibilidade é prevista na legislação de cada um deles. Já na nossa Constituição Federal, não é permitida em razão do princípio da presunção de inocência, por isso, caso o STF entenda pela admissibilidade da execução da pena após condenação do Tribunal do Júri, ele colocará em xeque cláusula pétrea da CF, que, teoricamente, não poderia ser alterada.
Artigo publicado no site JOTA.
Autor: David Metzker.