Em continuidade do que foi falado no artigo anterior, lá, tratamos da inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 do CP e a aplicação, por analogia, o preceito secundário do artigo 33 da lei de drogas. Todavia, passaremos a analisar se é legal essa analogia, ou seja, se a Constituição permite a aplicação de outro preceito secundário, quando da inconstitucionalidade.
O artigo 5º, XXXIX da CF bem como o artigo 1º do CP, afirmam que não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal. Portanto, para que haja pena, necessário que tenha lei definindo a pena do crime, texto trazendo expressamente o preceito secundário.
Não caberia ao Poder Judiciário verificar qual a pena mais adequada a proteção do bem jurídico tutelado, sob pena de está usurpando função legislativa. Com a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 do CP, seria correto aplicar, por analogia, pelo Judiciário, o preceito secundário de um crime que mais se assemelha do tipo penal citado? Não nos parece a melhor opção.
Estaríamos diante de uma ausência de segurança jurídica, uma violação da regra do jogo, pois uma das funções da necessidade de uma prévia cominação legal é passar a segurança aos cidadãos para que o mesmo saiba exatamente os limites penais que poderá incorrer. Neste caso, olhando o artigo 273 no código penal, não se saberá quais os limites penais do artigo.
Qual seria a melhor solução?
De acordo com a ADI 2884/RJ[1], “a declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida em sede de fiscalização normativa abstrata, importa – considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente – em restauração das normas estatais anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por juridicamente inválido, não se reveste de qualquer carga de eficácia derrogatória”.
Neste passo, temos que a repristinação da pena anterior a lei 9677/98, que alterou a pena do artigo 273, colocando a pena mínima de 10 anos e a máxima de 15 anos, trazendo de volta a pena de 1 a 3 anos e multa, ser uma solução mais adequada aos entendimentos doutrinários e jurisprudencial da Suprema Corte.
Há o entendimento do STF, no HC 109676/RJ[2], que o entendeu pela impossibilidade de aplicação de preceito secundário diverso em caso de inconstitucionalidade do preceito secundário de um tipo penal.
Não havendo a possibilidade de combinação de leis e declarando a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273, a restauração da eficácia da pena anterior a mudança é o deslance condizente com o entendimento do STF.
[1] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – A QUESTÃO PERTINENTE AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL: UMA REALIDADE INSTITUCIONAL QUE NÃO PODE SER DESCONHECIDA – CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL SER SUBSTITUÍDO, NESSA CONDIÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DO ESTADO-MEMBRO – AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. OS ESTADOS-MEMBROS, NA ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO DOS RESPECTIVOS TRIBUNAIS DE CONTAS, DEVEM OBSERVAR O MODELO NORMATIVO INSCRITO NO ART. 75 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . – Os Tribunais de Contas estaduais deverão ter quatro Conselheiros eleitos pela Assembléia Legislativa e três outros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo do Estado-membro. Dentre os três Conselheiros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo estadual, apenas um será de livre nomeação do Governador do Estado. Os outros dois deverão ser nomeados pelo Chefe do Poder Executivo local, necessariamente, dentre ocupantes de cargos de Auditor do Tribunal de Contas (um) e de membro do Ministério Público junto à Corte de Contas local (um). Súmula 653/STF . – Uma das nomeações para os Tribunais de Contas estaduais, de competência privativa do Governador do Estado, acha-se constitucionalmente vinculada a membro do Ministério Público especial, com atuação perante as próprias Cortes de Contas. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS NÃO SE CONFUNDE COM OS DEMAIS RAMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DA UNIÃO E DOS ESTADOS-MEMBROS . – O Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas – que configura uma indiscutível realidade constitucional – qualifica-se como órgão estatal dotado de identidade e de fisionomia próprias que o tornam inconfundível e inassimilável à instituição do Ministério Público comum da União e dos Estados-membros . – Não se reveste de legitimidade constitucional a participação do Ministério Público comum perante os Tribunais de Contas dos Estados, pois essa participação e atuação acham-se constitucionalmente reservadas aos membros integrantes do Ministério Público especial, a que se refere a própria Lei Fundamental da República (art. 130) . – O preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar, ao Ministério Público comum, as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando, ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um “status” jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva, a possibilidade de atuação funcional exclusiva e independente perante as Cortes de Contas. A QUESTÃO DA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE “IN ABSTRACTO” . – A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida em sede de fiscalização normativa abstrata, importa – considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente – em restauração das normas estatais anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por juridicamente inválido (RTJ 146/461-462), não se reveste de qualquer carga de eficácia derrogatória. Doutrina. Precedentes (STF).
(STF – ADI: 2884 RJ, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 02/12/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 20/05/2005 PP-00005 EMENT VOL-02192-03 PP-00379 RTJ VOL-00194-02 PP-00504)
[2] Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA PREVISTA NO TIPO, POR OFENSA AO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE, E PRETENSÃO DE VER ESTABELECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOVO PARÂMETRO PARA A SANÇÃO. CRIAÇÃO DE TERCEIRA LEI. IMPOSSIBILIDADE. SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA E PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA INJÚRIA SIMPLES. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA NA VIA DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A Lei nº 9.459/97 acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, dispondo sobre o tipo qualificado de injúria, que tem como escopo a proteção do indivíduo contra a exposição a ofensas ou humilhações, pois não seria possível acolher a liberdade que fira direito alheio, mormente a honra subjetiva. 2. O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência dos princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da sociedade brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso de ódio. 3. O writ veicula a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 140 do Código Penal, que disciplina o crime de injúria qualificada, sob o argumento de que a sanção penal nele prevista pena de um a três anos de reclusão afronta o princípio da proporcionalidade, assentando-se a sugestão de ser estabelecida para o tipo sanção penal não superior a um ano de reclusão, considerando-se a distinção entre injúria qualificada e a prática de racismo a que se refere o artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal. 3.1 O impetrante alega inconstitucional a criminalização da conduta, porém sem demonstrar a inadequação ou a excessiva proibição do direito de liberdade de expressão e manifestação de pensamento em face da garantia de proteção à honra e de repulsa à prática de atos discriminatórios. 4. A pretensão de ser alterada por meio de provimento desta Corte a sanção penal prevista em lei para o tipo de injúria qualificada implicaria a formação de uma terceira lei, o que, via de regra, é vedado ao Judiciário. Precedentes: RE nº 196.590/AL, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 14.11.96; ADI 1822/DF, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 10.12.99; AI 360.461/MG, relator Ministro Celso de Mello, DJe de 06.12.2005; RE 493.234/RS, relator Ricardo Lewandowski, julgado em 27 de novembro de 2007. 5. O pleito de reconhecimento da atipicidade ou de desclassificação da conduta, do tipo de injúria qualificada para o de injúria simples, igualmente não pode ser acolhido, por implicar revolvimento de matéria fático-probatória, não admissível na via do writ. 6. In casu, o paciente foi condenado à pena de um ano e quatro meses de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direito consistente em prestação de serviço à comunidade, e à prestação pecuniária de 16 (dezesseis) cestas básicas, de valor não inferior a R$ 100,00 (cem reais), em virtude de infração do disposto no artigo 140, § 3º, do Código Penal, a saber, injúria qualificada pelo preconceito. 7. Ordem de habeas corpus denegada.
(STF – HC: 109676 RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 11/06/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-158 DIVULG 13-08-2013 PUBLIC 14-08-2013)