A importância de saber qual o verbo praticado no crime de porte de arma.

O verbo do tipo penal é a ação que se procura evitar ou impor. Portanto, deve-se saber qual foi o verbo realizado. Especificamente no crime de porte de arma, qual é a importância de saber o verbo praticado?

Todo tipo penal possui dentro de sua estrutura, um verbo denominado núcleo do tipo, sendo assim, na descrição da conduta legal, haverá um verbo, que tem a finalidade de mostrar qual a ação que, se praticada, demandará, a princípio, uma responsabilização penal.

Há tipos uninucleares, que possui somente um verbo, como por exemplo, o artigo 121 do CP, que traz o verbo matar. Há também os tipos plurinucleares, que também são denominados de crime de ação múltipla, que possuem, em sua descrição, vários verbos, como por exemplo, o artigo 33 da lei 11343/2006 e o crime de porte de arma, previsto no artigo 14 e 16 da lei 10826/2003.

Um dos pontos que demonstram a importância do núcleo no tipo penal está na teoria Objetivo-Formal, que define o início da tentativa e a autoria do crime.

O mestre Paulo Busato[1] nos ensina em sua obra, que a teoria acima citada define tentativa como:

“Para essa teoria, são atos de execução aqueles atos que representam o início da realização dos elementos do tipo. Ou seja, a identificação se dá através da presença concreta de algum ato que consista na realização do verbo que expressa o núcleo do tipo legal de crime. Essa é a teoria mais aceita pela doutrina.”

Verifica-se, portanto, que a execução de um crime se inicia com a prática do verbo, do núcleo do tipo penal. Somente ocorrerá o crime se o verbo foi praticado.

Diante disso, temos que o autor direto do crime é aquele que pratica o núcleo do tipo penal. Como afirma o citado Professor Paulo Busato, “a teoria objetivo-formal, para a qual autor é aquele que realiza o núcleo do tipo, ou seja, a ação expressa pelo verbo contido no tipo. Assim, o autor é quem realiza, por exemplo, a ação de matar no homicídio e de subtrair no furto.” (Busato, 02/2015)

Quando há vários núcleos no tipo penal, a realização de qualquer um deles configurará o crime, não necessitando a realização cumulativa dos verbos.Visto isso, passamos a analisar a importância de saber o núcleo do tipo penal previsto no artigo 14 da lei 10826/2006, que também poderá ser aplicado no artigo 16 da referida lei.

No que tange ao porte ilegal de armas, o crime é crime de mão própria, que só pode ser cometido por um único agente, exceto quando a arma está fisicamente disponível a outros indivíduos, o que se denomina composse ou posse/porte compartilhada.

Mas o porte compartilhado, que configura no concurso de pessoas, se aplicará a todos os verbos?

O crime de porte traz em sua descrição 13 verbos:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O verbo portar, o primeiro deles, consiste em o agente trazer consigo a arma, sendo indispensável que ele possa fazer pronto uso da mesma, para isto devendo ser rápido, direto e imediato o seu acesso e utilização, apesar de não se exigir o contato físico com o objeto, bastando à condição de uso imediato. Não precisa estar nas mãos do agente. O porte pode ocorrer estando a arma em lugar de fácil apossamento, sem obstáculos, como na cintura, na bolsa, no porta luvas do veículo, etc.

Assim, no núcleo portar, entende-se pela impossibilidade do concurso de pessoas, visto que o dolo é de trazer consigo, não podendo ser compartilhado, já que o verbo é específico para somente uma pessoa.

Os tribunais[2] têm tido esse entendimento, mormente os do RJ, ES, PR e AP.

Vislumbra-se, portanto, que, por exemplo, o verbo transportar pode configurar o concurso de pessoas, pois pode ser transportado por várias pessoas.

Mas temos que ter em mente que o nomen iuris do crime é PORTE, o que pode confundir com o verbo portar. Se o agente transporta, ele pratica o crime de porte. Se o agente adquiri arma, ele pratica o crime de porte.

Todavia, como exemplo, nós trouxemos o verbo portar, que também configura o crime de porte. Esse verbo, conforme o entendimento dos tribunais, não admite concurso de pessoas.

Todavia, há entendimentos[3] no sentido contrário, que é possível o porte compartilhado com a prática do verbo portar, quando a arma está disponível para uso imediato de todos os autores, ou seja, se a arma está no console do carro e os dois ocupantes têm a disponibilidade imediata para uso da arma, desde que ambos tenham dolo de estarem armados.

Assim, podemos ver que, no crime previsto no artigo 14 e 16 da lei 10826/2003, importante saber qual foi o verbo praticado, pois poderá interferir no concurso de pessoas.

[1] Busato, , P. C.  (02/2015). Direito Penal: Parte Geral (,v.1), 2ª edição [VitalSource Bookshelf version].

[2] APELAÇÃO DEFENSIVA. CONDENAÇÃO. PORTE COMPARTILHADO DE ARMA DE FOGO. Preliminar de nulidade do feito que não se sustenta. O fato de o acusado não ter sido assistido por advogado no momento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante não conduz à nulidade do presente feito. A lavratura do Auto de Prisão em Flagrante é mero procedimento administrativo que informa sobre o fato violador da norma e sua autoria, estando fora da relação processual. A atividade administrativa exercida pelo Delegado de Polícia, seja de lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, seja de instauração de Inquérito Policial, não visa emitir nenhum juízo de valor sobre a conduta do autor do fato, não havendo, assim, que se falar ou aplicar o princípio do contraditório em sede policial. No que tange ao mérito, o acusado Manoel confessou que portava a arma de fogo. O conjunto fático-probatório carreado aos autos aponta que o corréu Felipe apenas estava em companhia do outro acusado. O crime de porte ilegal de arma de fogo é de mão própria e, assim, não há possibilidade de ser praticado por mais de uma pessoa simultaneamente. Impossibilidade de porte compartilhado, absolvição do acusado Felipe que se impõe. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO para absolver o apelante FELIPE da imputação do delito previsto no artigo 16 da Lei 10.826/03, mantendo-se, no mais, a sentença vergastada nos termos em que proferida.

(TJ-RJ – APL: 00158486420108190004 RJ 0015848-64.2010.8.19.0004, Relator: DES. PAULO SERGIO RANGEL DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 17/03/2015, TERCEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 24/03/2015 11:34)

EMENTA : PORTE DE ARMA DE FOGO. PORTAR NÃO É O MESMO QUE TRANSPORTAR. O PORTE SIGNIFICA TER A ARMA JUNTO AO CORPO, COM DISPONIBILIDADE DE USO IMEDIATO. A APREENSÃO DA ARMA NO PORTA-MALAS OU NO PORTA LUVAS, DEBAIXO DO BANCO OU EM OUTRO QUALQUER LUGAR DO VEÍCULO, É CONDUTA DE TRANSPORTAR. POR ISTO QUE RESTA DIFÍCIL UM USO COMPARTILHADO DE PORTE DE ARMA DE FOGO. NO CASO, FOI DE EXTREMA FELICIDADE O MINISTÉRIO PÚBLICO AO RECONHECER A CONDUTA DO ORA APELANTE COMO DE PORTE E NÃO DE TRANSPORTE DE ARMA DE FOGO. ALEGAÇÃO DO APELANTE NO SENTIDO DE QUE PORTAVA A ARMA EM RAZÃO DO PERIGO QUE SEMPRE ENVOLVE A FUNÇÃO DE GUARDA CIVIL MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE QUALQUER DOCUMENTO PARA PERMISSÃO DO PORTE/TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE PROVA DE SITUAÇÃO DE PERIGO ATUAL, QUE SE PUDESSE CONSIDERAR COMO EXIGÍVEL A CONDUTA DE ANDAR ARMADO. EXCLUDENTE QUE NÃO SE CONFIGURA. CONDENAÇÃO CORRETA. 1. A alegação do ora Apelante no sentido de que uma situação generalizada de perigo envolve os guardas da municipalidade, função por ele exercida, não é suficiente para justificar sua conduta de portar arma de fogo. 2. O porte/transporte de uma arma de fogo por pessoa que desempenha tal função, como sói a ocorrer com qualquer pessoa que exerça função de tal estirpe, não dispensa a prévia regularização dessa conduta pelo órgão competente. 3. Recurso a que se nega provimento, mantida a condenação do ora Apelante, assim como a quantidade penal irrogada e as demais prescrições constantes do final da r. sentença recorrida.

(TJ-ES – APL: 00196978720148080011, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 01/11/2017, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/11/2017)

APELAÇÕES CRIMINAIS. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA E DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. OCORRÊNCIA DE DUPLICIDADE DE RECURSOS DECORRENTE DO DESMEMBRAMENTO DO FEITO. NECESSIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO. APELAÇÃO (1). PLEITO DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS PELO CRIME DE PORTE DE ARMA DE FOGO COMPARTILHADO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PLENA DISPONIBILIDADE DA ARMA PARA O SEU USO IMEDIATO. RECURSO DESPROVIDO. APELAÇÃO (2). 1- PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE PORTE DE ARMA PARA O DELITO CAPITULADO NO ARTIGO 12, DA LEI Nº 10.826/03. IMPOSSIBILIDADE. RÉU QUE FOI CONDENADO PELO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESCRITO NO ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/03, EIS QUE A PISTOLA APREENDIDA NO INTERIOR DE SUA RESIDÊNCIA ESTAVA COM A NUMERAÇÃO RASPADA. 2- POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO Apelações Crime nºs 708.360-7 e 720.795-4 SUPRIMIDA. ALEGADA ATIPICIDADE DE CONDUTA. TESE ACOLHIDA. CRIME PRATICADO NO PERÍODO DE “VACATIO LEGIS”, PRORROGADO PELA LEI Nº 11.191/2005. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 3- FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA NÃO CONFIGURADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-PR – ACR: 7083607 PR 0708360-7, Relator: Lidia Maejima, Data de Julgamento: 14/04/2011, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 620)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA. CONDIÇÃO IMEDIATA DE USO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1) Se o agente tem sob sua guarda arma de fogo sem licença da autoridade, e a citada arma encontra-se em condições de pronto uso, configurado está o crime tipificado no artigo 16, da Lei 10.826. 2) Não se exige para configurançao do delito que a arma esteja em contato físico direto com o agente, basta que esteja em condições de uso imediato; 3) Apelação Criminal improvida.

(TJ-AP – APL: 18663820078030002 AP, Relator: Desembargador LUIZ CARLOS, CÂMARA ÚNICA, Data de Publicação: no DJE N.º 14 de Segunda, 01 de Junho de 2009)

[3] APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AOS CRIMES DE PORTE DE ARMA COMPARTILHADO E RECEPTAÇÃO. – DO PORTE COMPARTILHADO. Apesar da matéria não está pacificada em nossos Tribunais, pois se discute a possibilidade de ser admitido, ou não, o porte de arma de fogo por duas pessoas, acompanho o entendimento esposado nas lições de Luiz Flavio Gomes, qual seja, o de exigir, no porte compartilhado que mantenham os agentes com a arma de fogo uma relação de plena disponibilidade, COM DOLO DIRECIONADO À VONTADE DE ESTAREM ARMADOS. No caso concreto, tal não foi demonstrado, merecendo destaque a afirmação de desconhecimento pelo apelante de estar o imputável portando arma de fogo, o que impõe sua absolvição. – DA RECEPTAÇÃO DOLOSA. Muito embora tenha sido demonstrada a origem espúria do bem apreendido, conforme registro de ocorrência do crime de furto, finda a instrução criminal, o Ministério Público não logrou bom êxito em comprovar que o acusado sabia da origem ilícita da motocicleta, deixando, por via de consequência, de fazer a prova que lhe incumbia, na forma do artigo 156 do Código de Processo Penal, o que, também, autoriza sua absolvição, em estrita observância aos princípios do in dubio pro reo e da presunção da inocência. PROVIMENTO DO RECURSO

(TJ-RJ – APL: 00345355820148190066 RJ 0034535-58.2014.8.19.0066, Relator: DES. DENISE VACCARI MACHADO PAES, Data de Julgamento: 27/08/2015, QUINTA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 02/09/2015 11:37)

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